Artigos

Qual a importância do nome? O caso da inclusão por meio do anonimato

Por
terça-feira, 21 setembro 2021

Para Brooke, de 32 anos, concluir seu doutorado foi um momento de celebração na vida real e na sua timeline, onde ela Tweeta como @LadyBPhD. Na época da formatura, no início deste ano, ela postou uma foto de seu diploma recém adquirido (2.168 curtidas), um vídeo mostrando sua dissertação (66 curtidas) e uma selfie em seu traje de doutorado, com beca de cetim escarlate e capelo de veludo preto (201 Likes). 

Mas esses Tweets comemorativos não receberam tanta atenção quanto a mensagem de 17 palavras que ela compartilhou em 25 de julho de 2021.

Este post está indisponível
Este post está indisponível.
Este post está indisponível.

Ela recebeu quase 10 mil curtidas nesse Tweet e na resposta que deu a seguir, na qual falou sobre se sentir meio “deprê” depois de trabalhar tanto para conseguir seu diploma.

Ser capaz de expressar vulnerabilidade e as dificuldades da vida real é importante para Brooke. E é por isso que ela Tweeta com um pseudônimo. (Estamos omitindo o nome completo dela por motivos de privacidade.) Esse é o lugar onde ela pode ser ela mesma, inclusive falando francamente sobre os desafios da procura de emprego, sem se preocupar em espantar um empregador em potencial. 

“Sinto que se um empregador visse, pensaria: ela é sincera demais, não vai seguir as regras. Coisas assim me assustam”, diz ela. “Então não quero meu nome na boca das pessoas. Prefiro ser capaz de me expressar e fazer com que as pessoas sintam que podem ser elas mesmas.”

Este post está indisponível
Este post está indisponível.

Para Brooke, o anonimato permite se aprofundar em assuntos sobre os quais não se sentiria à vontade para falar de outra forma. A julgar pelas centenas de respostas que recebeu de pessoas mostrando apoio e compartilhando suas próprias lutas – e algumas mensagens foram praticamente palestras – seu tom honesto claramente atingiu um ponto sensível da sociedade.

“A identidade na internet é extremamente complexa e cheia de nuances”, disse B Astrella, diretora de gerenciamento de produtos do Twitter, cujo trabalho se concentra em ajudar pessoas comuns – em vez de marcas ou influenciadores profissionais – a participar da conversa pública. “Você pode se representar como quiser, e isso tem sido um poderoso alicerce do que é o Twitter."

Anônimo, porém real.

Há um equívoco comum de que a confiança se baseia em saber quem uma pessoa realmente é, começando por saber seu nome verdadeiro. Mas essa questão não é tão simples e, acima de tudo, vai muito além de como alguém se chama.  

Um estudo recente realizado pelo Twitter entre seus usuários nos EUA descobriu que a confiança é avaliada com base em vários sinais, começando por saber se a conta é de uma pessoa de verdade ou é automatizada, por exemplo. Também são levados em consideração os conteúdos publicados e a forma de interação com os demais. Ter uma conexão pessoal em comum com alguém no Twitter, mesmo que essa pessoa esteja postando anonimamente, ainda pode estimular a empatia. 

Em suma, a confiança é baseada no que você faz, não em quem você é. E o anonimato abre espaço para mais pessoas se expressarem livremente e com segurança, de maneiras que realmente geram esse tipo de conexão de construção da confiança. 

Mas isso é uma faca de dois gumes.

“Na melhor das hipóteses, o anonimato ajuda as pessoas a se expressarem mais plenamente, o que é particularmente relevante em lugares onde se sentem inseguras”, diz Astrella, citando histórias de mulheres que vivem em partes do mundo nas quais falar o que pensam pode colocá-las em risco. “Ao mesmo tempo, há pessoas que tiveram a experiência de serem assediadas ou agredidas com respostas tóxicas no Twitter por contas anônimas.”

Essa experiência com trolls anônimos levou muitos a acreditarem que exigir que as pessoas usem seus nomes “reais” reduziria a toxicidade e incentivaria a responsabilidade entre as pessoas no Twitter. A ideia é que, se formos obrigados a dizer ao mundo quem realmente somos, não nos comportaremos mal. 

Mas, segundo Astrella, estudos acadêmicos e pesquisas do Twitter mostram que o anonimato por si não leva ao abuso. Em muitos casos, as pessoas postam respostas tóxicas e mensagens de assédio com seu nome real, usando uma foto de seu rosto verdadeiro, bem como aqueles que o fazem anonimamente. 

“Queremos nos livrar do assédio, que é contra as regras do Twitter”, diz. “A toxicidade é prejudicial para a plataforma e para nossos usuários, mas a natureza do pseudônimo não é o que a cria ou incentiva isso."

O Twitter trabalha para impedir que contas falsas e spam assediem os usuários, tanto na fase de inscrição, para que eles não possam participar, quanto removendo contas que comprovadamente causam problemas. 

As pessoas também podem lançar mão de ferramentas como silenciar ou bloquear para sentirem que estão no controle de sua experiência, diz Anita Butler, diretora de design do Twitter que supervisiona saúde, privacidade e identidade. Esses recursos não devem ser usados com moderação.

"Se alguém está agindo mal com você, bloqueie", recomenda Butler. “Muitos usuários pensam que nossas ferramentas de segurança são para casos extremos. Não! Queremos que você crie um ambiente onde se sinta seguro. Se isso significa bloquear 50 pessoas, vá em frente.”

Exigir identidades reais poderia tornar o Twitter menos seguro

No Reino Unido, uma petição exigindo que as empresas de mídia social verificassem a identidade dos usuários chegou ao Parlamento no início deste ano. Iniciada em 2020 por uma personalidade da mídia inglesa cujo filho havia sido alvo de bullying on-line, a causa ganhou um grande apoio em julho, depois que o time nacional foi eliminado da Liga Europa da UEFA. A derrota resultou em mensagens racistas disparadas contra as contas de vários jogadores. 

Depois de receber cerca de 700 mil assinaturas, o governo do Reino Unido respondeu à petição dizendo que requerer a verificação da identidade restringiria a liberdade de expressão. Acima de tudo, essa medida afetaria desproporcionalmente os mais vulneráveis, como grupos minorizados, mulheres, indivíduos transgêneros, ativistas, entre outra pessoas. 

“Introduzir a verificação obrigatória de nome real afastaria esses grupos do Twitter”, diz Astrella. 

Sem falar que o processo de identificação em si seria problemático. De acordo com o Banco Mundial, cerca de um bilhão de pessoas não têm um documento oficial de identificação. São os minorizados, vulneráveis e economicamente desfavorecidos que não possuem essa documentação, incluindo milhões de brasileiros

“Essas são as vozes que devemos amplificar na sociedade, não suprimir”, diz Astrella.

Ser alto no Twitter

O anonimato, além de proporcionar segurança, dá às pessoas a capacidade de serem flexíveis sobre como se apresentam.

“Nossa identidade on-line reflete quem somos no mundo offline de maneiras muito interessantes. Por outro lado, há muitos pontos em que esses dois tipos de existência divergem e não podem ser incorporados da mesma forma. Você não é alto ou baixo no Twitter.” diz Astrella. “Ao mesmo tempo, offline você nunca poderia estar em uma sala conversando com 100 mil pessoas”. 

Como mulher cientista, Brooke tem, com o anonimato, liberdade para fazer parte de múltiplas comunidades — incluindo seu grupo para jogar Dungeons & Dragons — e, ao mesmo tempo, desabafar sobre as dificuldades da vida acadêmica. 

“Sinto que, se você for capaz de ser vulnerável, pode crescer mais como indivíduo”, diz ela. “Para mim, é importante ter esse tipo de conversa porque sei que há outras pessoas por aí que querem compartilhar essa informação, mas às vezes sentem medo ou preferem não iniciar o debate porque estão preocupadas sobre como os outros vão reagir.”

Essas preocupações são bem fundamentadas. Brooke viveu isso em primeira mão ao ser alvo do comportamento agressivo on-line de homens que ela nem conhece e ao ter que lidar com o mansplaining em assuntos nos quais ela literalmente é uma autoridade.

Mas ela também conseguiu cultivar um senso de confiança e afinidade nas mídias sociais, fazendo amigos em todo o mundo, da África do Sul à Noruega, onde criou uma comunidade de colegas cientistas. 

"Quando você está tendo um dia ruim ou se sente muito sozinha no seu trabalho, é ótimo poder ir ao Twitter só para conversar com as pessoas”, conta.

Este post está indisponível
Este post está indisponível.